Pinto da Costa assumiu a derrota, mas não a digeriu. Parecia perdido para o futebol.
A sua atitude revolucionária tinha deixado marcas bastante profundas. O seu futuro como dirigente estava severamente comprometido, mas Pinto da Costa sempre acreditou que no futebol é o golo que comanda as atitudes e as situações e que provoca a queda dos dirigentes e treinadores. Por isso, PC não se deixava abater com tanta facilidade. A sua resistência não tinha limites e afinal só tinha perdido uma batalha. O importante, agora, era fazer com que o seu clube tivesse alguns desaires. Tinha, por isso, de montar a sua estratégia, mesmo sem os seus anteriores aliados.
Os seus companheiros, os da tentativa de revolução, colocaram-se á margem para se aliarem a quem ficou com o poder, e os profissionais seguiriam o seu rumo, a sua vida era aquela; e, mais tarde ou mais cedo, acabariam por surgir novos empregos. Eram artistas do futebol, tinham mérito e qualidade. O seu caso era mais difícil. Era um dirigente com algum carisma ganho á custa do prestígio de Pedroto. A sua personalidade e capacidade ainda não tinham sido verdadeiramente testadas. Faltava-lhe prestígio para fazer frente a Américo de Sá. E não podia continuar a vender fogões toda a vida...
Sem abandonar os bastidores do futebol, foi minando a gerência de Américo de Sá.
Não era homem para ser derrotado com tanta facilidade, mas em alguns momentos chegou mesmo a sentir o desespero de uma causa que parecia perdida. Mestre a colocar o boato a circular, fez constar que um clube da capital lhe tinha dirigido o convite para assumir o comando do departamento de futebol. O objectivo era deixar passar a mensagem de que o inimigo tinha visto nele superiores qualidades e, perante tal facto, esperar que algumas vozes se levantassem, reconhecendo o erro que tinham cometido. Mas acabou por acontecer o contrário. A credibilidade de Pinto da Costa em relação ás posições que tomou em defesa do Norte foi afectada. Apercebendo-se de que a sua estratégia não resultara, logo se apressou a desmentir o
boato posto por ele a circular. As eleições estavam próximas e era necessário estabelecer um plano mais sólido para derrotar Américo de Sá. Não era homem para viver sob o domínio da derrota ou mudar de atitude procurando novamente as boas graças do presidente. Na sua personalidade e forma de estar não encaixava a imagem de um falhado.
Pinto da Costa passou a sua idade escolar num colégio onde imperava uma grande influência da religião católica e quando atingiu o liceu foi internado num colégio de padres. Dos mais prestigiados do Norte do País. Ali fabricavam-se verdadeiros homens. Eram testados como cobaias para poderem enfrentar no futuro as mais adversas contrariedades da vida. Uma das disciplinas era constituída pela defesa individual de cada aluno perante toda a turma e, já nessa altura Pinto da Costa era tido como o mais desenvolto no uso do discurso, na sua capacidade de raciocínio rápido e retenção na memória de dados essenciais. Inteligente e astuto como um verdadeiro jesuíta, bem cedo começou a demonstrar um grande sentido de chefia.
Sabia como dividir para reinar, utilizando um ar cândido e descomprometido quando algumas atitudes de má-fé lhe eram dirigidas.
Atirava a pedra e sabia como esconder a mão. Mas a sua verdadeira arma era a grande capacidade de trabalho e a completa dedicação a tudo o que fazia. Chegou a pensar ordenar-se padre, e o director do colégio apostava que, se ele seguisse essa carreira, iríamos ter o segundo Papa Português.
A sua postura, a sua forma de falar e de estar deram-lhe sempre um toque clerical. A mesma mão que abençoava os amigos, empunhava a cruz onde ele havia de crucificálos. Cativava, fazia amizades com facilidade e sabia como as utilizar e destruir como se nunca tivesse culpa de nada.
Nunca foi grande atleta, mas a sua paixão pelo desporto atirou-o para o dirigismo.
Começou por baixo, mas não foi necessário muito tempo para chegar ao topo da pirâmide.
Destronar Américo de Sá era agora o seu maior desafio. Começou então a rodear-se de amigos com algum prestígio no clube, procurando apoios para se candidatar. Tarefa que não era fácil. Na altura, para se ser presidente de um clube de futebol era necessário ser-se um empresário de sucesso e ter dinheiro disponível para enfrentar algumas situações, e esse não era o caso de Pinto da Costa. Ele sabia-o como ninguém e procurou então apoiar-se em pessoas abastadas economicamente, não dispensando o seu grande amigo, Ilídio Pinto.
Havia, no entanto, uma situação que era necessário ultrapassar. O Ilídio tinha-se encostado ao Américo de Sá, mas PC sabia que ele estaria sempre do lado de quem tivesse o poder e, com alguma facilidade, jogava sempre com um pau de dois bicos. O certo é que Ilídio tinha o dinheiro, e PC iria necessitar desse apoio. Tinha também na mão outra gente que vivia desafogadamente em termos financeiros e que por terem sido preteridos por Américo de Sá se colocaram do seu lado, mas esses eram mais inteligentes e não seria fácil arrancar-lhes o dinheiro sem lhes dar nada em troca. Não podia também colocar em risco uma nova derrota. Tinha de ir à luta pela certa, e o momento era propício porque se começava a notar um certa instabilidade no seio do clube. Tudo servia para se atacar a gerência de Américo de Sá. Faziam-se assembleias gerais agitadíssimas, com Pinto da Costa a colocar algumas pessoas estrategicamente no meio dos sócios a criar a confusão.
Américo de Sá passou momentos de grande desespero, porque lhe era impossível controlar a situação. Foi então que tomou consciência da existência de um jovem com alguma história no clube. Reinaldo Teles, campeão nacional de boxe e na altura treinador, foi a solução encontrada para controlar as agitadas assembleias gerais. Expugilista, brigão, chulo e nutrindo uma certa paixão por negócios ilícitos, ofereceu-se para arrumar a casa e impor a ordem nas confusões programadas por Pinto da Costa. Era treinador de boxe do clube e reuniu os seus rapazes para patrulharem a sala, e o certo é que com alguns murros e cabeçadas acabou por conquistar o lugar de chefe da segurança de Américo de Sá.
Pinto da Costa temia-o, porque não era um brigão vulgar e muito menos um marginal estúpido e incompetente. Reinaldo Teles tinha um espírito e uma personalidade muito idênticos aos de PC. Dava as ordens para descascar á fartazana e depois surgia como o apaziguador, o bom rapaz que nada tinha a ver com aquela violência. PC detestava-o, mas viu nele a solução para o futuro.
Reinaldo Teles era um ás a esgrimir os punhos, sabia avaliar com grande exactidão a capacidade dos seus adversários, e quando não os podia vencer trazia-os para junto de si. Um anjo, este rapaz que veio bastante jovem de uma aldeia transmontana para servir numa tasca de um tio. O estabelecimento estava aberto toda a noite, numa altura em que ainda existiam poucas discotecas. E as que funcionavam em pleno estavam viradas para o alterno e a prostituição. Mas R. Teles sabia que «putas e vinho verde» só combinam nas horas e nos locais certos. Havia que tratar da vidinha. Ajudava o seu tio pela madrugada dentro e vivia com entusiasmo as cenas de pancadaria entre azeiteiros, putas e marginais. O seu sonho era um dia vir a ser como eles. Homens valentes, com charme, e mulheres tratadas a pontapé a levarem-lhes o apuro da noite e o que até tinham roubado ao prazer. Sobre as delícias do amor, Reinaldo propagandeava dotes extraordinários, como fruto da leitura de um livrinho que comprara na Feira de Vandoma, uma obra cujo título tinha algo a ver com cama (obviamente) e que ensinava a combinar o beijo inclinado com o beijo pressionado. Essa era a matéria que Reinaldo dominava perfeitamente, como já se disse, com destaque para a arte de beijar.
Mas ainda estava longe de ser o rei na noite, sendo por norma acordado por mais um pedido da Bety ou da Lady, pois as putas por aqueles lados tinham todas nomes ingleses...
- Ó miúdo, serve-me aí uma sande de fígado com molho e cebola e um copo desse verde rasca que o teu tio tem aí!
Reinaldo Teles não se deixava comover. Afinal, eram putas. Tinham de ser tratadas assim. Enrugando a face, com os cantos da boca a quebrarem para baixo, fazia inchar o peito, punha-se em bicos de pés na tentativa de imitar os chulos e atirava com o prato da sande e o copo para a frente da mulher enquanto pensava: «Ainda vais trabalhar para mim». Foi então que um indivíduo com cara de rato, esquelético e de cabelo oleoso, se foi encostando á prostituta que Reinaldo servia e, com uma habilidade nata, meteu os garfos na carteira e roubou-lhe o porta-moedas. Reinaldo, que estava por detrás do balcão a retirar da montra de vidro um naco de polvo envolto em cebola, viu a cena e não perdeu a sua oportunidade de brilhar. Saiu do balcão e, com determinação, agarrou o carteirista e evitou que a Alzira, mais conhecida por Lady, ficasse sem os poucos tostões que o seu chulo lhe deixou.
Apercebendo-se de toda a cena, a Alzira levantou a mão e deu um soco no carteirista enquanto lhe dizia:
- Ah, meu filho da puta de choringa!
Sem tempo para pensar, Reinaldo Teles nem sequer hesitou quando se apercebeu que o carteirista ia responder á agressão. Formando um salto, deu uma cabeçada seguida de uma esquerda no choringa e este esparramou-se no chão sem vontade de se levantar. Quando o pôde fazer, nem sequer olhou para trás, deitando a fugir pela rua abaixo.
Os presentes fartaram-se de gabar Reinaldo, não só pela sua coragem como também por aquela esquerda indomável. A Alzira esqueceu-se de que tinha sido vítima de roubo e começou a medir o miúdo de alto a baixo com um sorriso comprometedor e, olhando por cima do ombro, disse-lhe quase num sussurro:
- Hoje tens direito a uma de graça!
- Com direito a beijo pressionado?- quis logo saber Reinaldo.
Que sim, disse ela. Reinaldo Teles não cabia em si. Puxou do pente que trazia no bolso de trás das calças, passou-o pelos cabelos e não deixou ninguém perceber que ainda era virgem. Pegou no resto do vinho que sobrou no copo da Alzira e emborcou-o de uma golada enquanto lhe dizia:
- Estou-te com uma sede!
Quando fechou a tasca, lá estava a Lady á sua espera para uma madrugada de amor.
Mas estava, ainda, Reinaldo com a chave metida na porta, e já o chulo da Alzira lhe tocava no ombro.
- Onde pensas que vais meu filho. O estabelecimento já fechou. Se queres desenferrujar o prego, espera para amanhã e não te esqueças de trazes trocado.
Reinaldo Teles ficou fora de si. Já estava a pensar com os tomates, e aquele gajo não lhe podia vir estragar a festa. Olhou de alto a baixo o chulo. Fixou-o bem nos olhos e achou que lhe podia dar uma tareia. A sua célebre esquerda saltou como um gancho e abateu-se nos queixos do chulo. Ainda este não se tinha recomposto e já levava um meia dúzia de socos, caindo KO no passeio.
Numa só noite, Reinaldo tinha abatido dois adversários. Alzira não hesitou. Estava cheia daquele chulo, e Reinaldo serio o seu novo amante. Meteu-lhe o braço e, com firmeza, levou-o até ao seu quarto alugado, por trás da Igreja da Trindade. Por coincidência ou não, os sinos tocaram a assinalar as cinco da matina e uma gata berrou de cio.
Reinaldo estava eufórico e, depois de ter descascado em dois duros da noite, não podia de forma alguma deixar perceber que aquela era a sua primeira noite de amor. As suas calças de bombazina preta começaram a ser afagadas por Alzira enquanto ela se despia.
Ao ver o seu par de mamas, Reinaldo não se aguentou mais e teve uma ejaculação.
Lady sentiu as calças humedecidas.
- Já te vieste?
Reinaldo, sem mostrar atrapalhação por aquele percalço, ensaiou uma vez mais a pose de durão.
- Isto é só uma amostra. Vê se te preparas depressa.
E em que pressinha se foi a virgindade de Reinaldo Teles.
Alzira ficou encantada com toda aquela fogosidade e, mostrando-se submissa, pediu com um certo carinho:
- A partir de hoje vais ser o meu chulo?
Reinaldo sorriu, enquanto puxava as calças para a cintura e apertava o cinto.
- Depois da sova que deu ao teu chulo, achas que ele teria coragem de aparecer? O teu homem a partir de hoje, claro que sou eu.
Mas para que essa conquista ganhasse forma, havia muitas lutas para vencer. Os pretendentes faziam fila porque o negócio estava mau e havia de aparecer um valentão a conquistar os seus direitos da mesma forma que o fez Reinaldo. Alzira gostava do miúdo, era forte e atrevido, mas para ficar com ele tinha de pensar numa forma de o proteger. Reinaldo tinha punhos, mas faltava-lhe a experiência. De súbito, veio a solução. Ela tinha um cliente que era treinador de boxe do maior clube da cidade (Porto) e ia-lhe apresentar Reinaldo Teles para o rapaz poder ir lá fazer uns treinos.
Uma semana depois, o tal treinador de boxe disse a Alzira que Reinaldo tinha futuro.
A partir daí, quando as coisas aqueciam no «Ginginha», a tasca do seu tio, R. Teles fazia uns treinos extra, passando a ser conhecido e respeitado. Depois de fechar a tasca, aproveitava a boleia de um amigo e ia ter com a Alzira, que atacava em Santos Pousada.
Trazia o apuro e a rapariga. Os dois estavam apaixonados. O beijo pressionado passava à história.
Reinaldo começou a somar êxitos no boxe e acabou por deixar o emprego na tasca do seu tio para se colocar como segurança e porteiro numa casa de alternos. Foi aí que conheceu a Luísa.
Mas um dia, Alzira descobriu tudo, entrou pela boite dentro, localizou a Luísa, que bebia uma garrafa de champanhe com um cliente enquanto este a beijava no pescoço, pegou-lhe pelos cabelos, atirou-a por cima da mesa e armou por ali uma algazarra tremenda.
Reinaldo Teles tentou acalmar as coisas. Não podia perder o emprego e lá convenceu Alzira a ir-se embora, não sem antes esta prometer que matava a Luísa se ela continuasse atrás do homem dela.
Reinaldo Teles tinha-se tornado num dos chulos mais importantes da cidade e, com a ajuda da Luísa, acabou por comprar o seu próprio estabelecimento. O rapaz tinha jeito para o negócio, e a Luísa tinha uma perspicácia tremenda para escolher as melhores putas.
Ambicioso, inteligente, hipócrita e já com algum poder económico, Reinaldo Teles tinha apenas mais um sonho: ser campeão nacional de boxe. Ele era bom de punhos, mas havia outros melhores.
Com algum sacrifício e habilidade, conseguiu chegar á fase que lhe permitiu disputar o título. O seu adversário era poderoso e Teles não se podia arriscar a deixar fugir o seu sonho. Sempre inclinado para negócios marginais, colocou logo em prática um plano diabólico. Ele sabia que no boxe profissional a corrupção por parte de grupos marginais era uma prática constante e quase normalizada, e num ápice resolveu o seu problema. Contactou o seu adversário, negociou a vitória no terceiro "round" e um KO mal disfarçado deu-lhe a oportunidade de saltar no ringue elevando as luvas em sinal de vitória.
Era importante para o seu negócio que os jornais noticiassem no dia seguinte que ele era o novo campeão nacional de boxe. Aquele título significava respeito e medo. Os factores mais importantes para quem quer gerir com tranquilidade uma casa de alternos e de prostituição.
Este fora o seu primeiro acto no mundo da corrupção, e Teles ficou fascinado com o poder do dinheiro. Afinal, ele tinha feito um investimento altamente rentável. Pagou para conquistar o título, realizou o seu sonho e duplicou a facturação no seu estabelecimento. Ninguém se arriscava a criar conflitos na sua área de alternos e muito menos a deixar contas penduradas. Os punhos de um campeão eram sempre temidos.
4 comentários:
Reinaldo... o pugilista...
Este blog tá muito parado! Nem o jogo Bayern-Sporting!
Esse tipo de Crónica, faço-a no BOLA NA TRAVE.
Os meus companheiros do Canal SCP é que escrevem sobre isso!
Já agora,tens lido os Capítulos do Golpe de Estádio.
Quando acabarem, vamos poder chegar a muitas conclusões, embora já há muitos anos que eu estou fartinho de saber como ELES trabalhavam!
Oh PPA... O preto não precisa de ler os teus posts para tirar conclusões!! Ele já leu este livro há muito q eu já lho emprestei na década de 80....
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